A inconstitucionalidade da exclusão do ICMS do crédito de PIS e Cofins

Se o legislador determinou que o valor de aquisição é a base de cálculo, deve-se conservar a coerência dessa decisão.

Com a conversão na Lei 14.592/2023 da determinação de exclusão do valor do ICMS da base de cálculo dos créditos do PIS e da Cofins e a eficácia da regra, após o cumprimento da anterioridade nonagesimal contada da publicação da MP 1159/23, fica mais premente a necessidade de se avaliar a legalidade dessa alteração na sistemática de apuração das contribuições.

A exclusão do ICMS na apuração dos créditos não cumulativos de PIS e Cofins tem como justificativa a suposta busca de um equilíbrio a partir da retirada do imposto estadual da receita bruta, base de cálculo das contribuições recolhidas pelos contribuintes em suas operações. Todavia, a nosso ver não há, juridicamente, essa correlação direta entre a exclusão do ICMS da base de cálculo do débito do PIS e da Cofins (receita bruta), definida pelo STF no julgamento do RE 574.706/PR, com a base do crédito dessas contribuições (valor de aquisição).

Vale lembrar que a Receita Federal, ao publicar o Parecer Cosit 10/2021, tentou exatamente justificar a necessidade de exclusão do ICMS do crédito de PIS e Cofins por “decorrência lógica” do julgamento do Tema 69. Em seguida, a própria PGFN explicitou interpretação contrária no Parecer SEI 14.483/2021/ME, afirmando que o entendimento estabelecido pelo STF não poderia ser automaticamente aplicado na apuração dos créditos gerados com a aquisição de bens e insumos, dependendo de normativo legal para sua efetivação. Essa perspectiva foi expressa pela Receita Federal na recente publicação da IN 2121/2022 (art. 171), que determina que o ICMS não deve ser excluído do cálculo do crédito do PIS e da Cofins.

Agora, com a publicação da Lei 14.592/23, promove-se essa limitação na apuração dos créditos do PIS e da Cofins, fundada num suposto equilíbrio entre a apuração dos créditos e débitos das referidas contribuições, mas, desta vez, via instrumento legal.

Sob nosso ponto de vista, é juridicamente defensável que essa alteração contraria o conceito de “valor de aquisição”, previsto no artigo 3º, §1º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, para a definição da base para o cálculo do crédito das contribuições, cuja grandeza é composta pelo ICMS. Isso porque, de acordo com essas normas, determinou-se a apuração do PIS e da Cofins não cumulativos pela sistemática de base contra base, com medidas econômicas diferentes para cálculo do crédito e do débito. No que se refere ao débito destes tributos, a base escolhida foi a receita bruta, grandeza sobre a qual não se inclui o ICMS, sendo o contribuinte, neste caso, mero agente arrecadador do tributo indireto estadual. Já para a apuração dos créditos das contribuições foi eleito o valor de aquisição dos bens e mercadorias como base para sua apuração, o que, jurídica e economicamente, inclui o valor do ICMS.

Nessa análise, deve-se considerar que o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 214, expressamente consignou que o ICMS compõe o valor de aquisição das mercadorias, ao definir que é constitucional a inclusão do imposto em sua própria base de cálculo: A base de cálculo do ICMS, definida como o valor da operação da circulação de mercadorias (art. 155, II, da CF/1988, c/c arts. 2º, I, e 8º, I, da LC 87/1996), inclui o próprio montante do ICMS incidente, pois ele faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação. Ora, se o ICMS compõe o valor de aquisição para a sua própria base, também deve compor para o crédito de PIS e Cofins que considera a mesma grandeza econômica.

No que se refere ao PIS e à Cofins, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 756, reconheceu que o legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, mas sendo uma competência delimitada pelo respeito à matriz constitucional destas contribuições e aos princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança. No julgado ficou expresso que o desenho da não cumulatividade das contribuições deve ser avaliado de forma sistêmica, principalmente no que se refere às modificações posteriores à sistemática já consolidada e absorvida pelo sistema econômico (precificação de mercadorias e serviços).

Nessa situação, deve prevalecer o pressuposto do legislador coerente, que é corolário dos princípios da razoabilidade e da proteção da confiança, que são nortes constitucionais valorativos do ordenamento jurídico tributário. Nesse sentido, já consignou o Pleno do STF no julgamento do Tema 337: Ao exercer a opção pela coexistência da cumulatividade e da não cumulatividade, o legislador deve ser coerente e racional, observando o princípio da isonomia, a fim de não gerar desequilíbrios concorrenciais e discriminações arbitrárias ou injustificadas. A racionalidade é pressuposto do ordenamento positivo e de sua interpretação, conforme sedimentado na jurisprudência da Corte.

Assim, se o legislador determinou que o valor de aquisição é a base de cálculo do crédito do PIS e da Cofins, deve-se conservar a coerência dessa decisão normativa, mantendo-se íntegro o conceito jurídico-econômico que caracteriza essa grandeza econômica, que se torna deturpada com a exclusão do ICMS. Além disso, essa interpretação simplista de exclusão do débito e do crédito traz à tona questões estruturais complexas, como a recuperabilidade ou não do ICMS, a diferença da situação do adquirente em face do imposto estadual (contribuinte ou não), bem como a incidência cumulativa ou não cumulativa das contribuições na etapa anterior à da apropriação do crédito, situações que não estão abrangidas pela lógica original do creditamento.

Esse contexto demonstra a dissociação trazida pela recente modificação legal com a própria regra constitucional do parágrafo 12 do artigo 195 da CF, na intepretação dada pelo STF, sendo possível discutir a sua inconstitucionalidade nesse viés, bem como sua ilegalidade, por ser necessária a manutenção da coerência dos conceitos adotados na legislação que não foram alterados, como o de valor de aquisição, de forma a reduzir artificialmente a base do crédito.

 

Fonte: JOTA

Compartilhar

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Postagens relacionadas