A tributação de pessoas físicas por aplicações financeiras e trusts no exterior

Na busca por mais isonomia e segurança jurídica, encontramos na MP 1171 redução de progressividade e ficções jurídicas.

Acordamos no feriado do Dia do Trabalho com a relevante notícia da publicação da MP 1171, de 30 de abril de 2023, que propõe importantes alterações na tributação das pessoas físicas residentes no Brasil.  

Se, por um lado, a nova legislação atualiza a tabela progressiva com efeitos imediatos (desde 1º de maio), por outro lado pode aumentar substancialmente a tributação dos investimentos externos de pessoas físicas residentes no país, com implicações majoritariamente aplicáveis a partir de 2024. 

A medida provisória depende de aprovação pelo Congresso Nacional em um prazo de 60 dias, prorrogável por mais 60 dias. Se aprovada com o texto original, as pessoas físicas residentes no país passarão a ser tributadas pelos rendimentos de aplicações financeiras no exterior, bem como pelos lucros e dividendos de entidades controladas e por bens e direitos objeto de trusts de forma separada dos demais rendimentos e dos ganhos de capital dispostos na Declaração de Ajuste Anual (DAA).  

A despeito de alguns méritos, como a tentativa de aumentar a segurança jurídica por meio da regulamentação dos efeitos tributários dos bens e direitos objeto de trust no exterior, a MP não está livre de críticas e pontos negativos que devem ser sopesados. Este artigo busca trazer luz a algumas ponderações aplicáveis à legislação proposta. 

Aplicações financeiras  

Atualmente, quando o valor da renda decorrente da aplicação financeira é passível de saque pelo beneficiário, sua tributação se dá sob a sistemática dos ganhos de capital (Ato Declaratório Interpretativo SRF 8, de 23 de abril de 2003), às alíquotas de 15% (para ganhos de até R$ 5 milhões), 17,5% (para ganhos de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões), 20% (para ganhos de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões) e 22,5% (para ganhos superiores a R$ 30 milhões).  

Tais rendimentos externos, pela atual redação da MP 1171/2023, ficarão sujeitos ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), no ajuste anual, às seguintes alíquotas (sem a possibilidade de deduções da base de cálculo): 1) 0% sobre a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6.000,00; 2) 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000,00 e não ultrapassar R$ 50.000,00; 3) 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00. 

Como se vê, a nova legislação introduz uma faixa de isenção para rendimentos anuais que não ultrapassem R$ 6 mil reais. Porém, para todas as demais faixas apresenta aumento da carga tributária, já que as alíquotas progressivas incidirão sobre valores muito menores (de 15% para rendas de R$ 6 mil a R$ 50 mil, e a alíquota de 22,5% para rendas superiores a R$ 50.000,00, ao invés de R$ 30 milhões, que seria o volume de ganho a partir do qual a mesma alíquota se aplicaria sobre ganhos na sistemática atual). 

Ademais, como a nova tributação ocorrerá sob a sistemática aplicável a “rendimentos”, a nosso ver não será mais possível o aproveitamento da isenção para bens e direitos de pequeno valor, que afasta a tributação dos “ganhos de capital” auferidos na alienação cujo preço unitário de alienação, no mês, seja igual ou inferior a R$ 35 mil.  

Para um país que já sofre com uma ampla regressividade em seu sistema tributário, tornam-se ainda mais relevante os valores de justiça distributiva e solidariedade social presentes na progressividade do imposto sobre a renda. Não parece, entretanto, que o seu aumento seja finalidade da nova norma. Muito pelo contrário, ela foi diminuída com a quase supressão das faixas de progressividade.  

Em sua exposição de motivos para a MP 1171, o ministro da Fazenda parece indicar que a alíquota de 22,5% se justifica por ser a alíquota máxima do imposto de renda incidente sobre as aplicações financeiras de curto prazo no Brasil. Lembramos, contudo, que essa tributação geralmente se impõe domesticamente a aplicações de renda fixa, sendo que a alíquota de 15% normalmente se destina a aplicações de renda variável, mais baixa exatamente por conta do elevado risco assumido (na renda variável). Deste modo, a imposição da alíquota de 22,5% às rendas variáveis do exterior representa claro aumento de carga tributária, injustificado sob o ponto de vista da isonomia, pois descolada da tributação imposta aos investimentos domésticos equivalentes. 

O reconhecimento tributário da renda quando da sua realização, conforme previsto na MP, é igualmente adotado sob as regras hoje em vigor, com a relevante diferença de que as aplicações financeiras são tributadas operação a operação, sem a possibilidade de aproveitamento das perdas apuradas em algumas delas contra ganhos auferidos em outras.  

Com a nova sistemática, todas as rendas do exterior abarcadas pela MP serão apuradas anualmente para submissão às novas alíquotas regressivas. Uma mudança bastante relevante a chamar nossa atenção seria a tributação em bases anuais, sem antecipações intermediárias ao longo do ano, com recolhimento de imposto efetuado somente por ocasião do ajuste anual. Com isto, entendemos que passa a existir a possibilidade de compensação de perdas e ganhos de aplicações financeiras diversas, contanto que verificadas em um mesmo ano. Este seria um aspecto positivo da nova legislação. 

Trust 

Sabe-se que os trusts podem ser instituídos de formas diversas, incluindo diferentes objetivos, origens (se inter vivos ou causa mortis), poderes e deveres do trustee (administrador do trust) em relação à administração do patrimônio e à distribuições dos bens e direitos aos beneficiários, assim como a revogabilidade pelo settlor (instituidor do trust). 

Ao estabelecer que os bens e direitos serão “considerados como permanecendo sob titularidade do instituidor após a instituição do trust”, somente “passando à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro”, a MP ignora estas diferenciações podendo trazer uma série de questionamentos.  

Nos trusts irrevogáveis, a titularidade dos bens e direitos é transferida de forma irrevogável no evento da constituição do trust. Não havendo mais a propriedade dos bens e direitos pelo settlor, a tributação dos rendimentos e ganhos de capital por este, enquanto não ocorrer o seu falecimento, ou os bens forem distribuídos pelo trust, acaba por estabelecer uma “ficção jurídica”. Sujeita a pessoa física instituidora do trust à tributação de um acréscimo patrimonial para ela inexistente. Isto porque decorrente de rendimentos e ganhos de capital que não mais pertencem ao settlor, nem são a ele disponibilizados. Neste sentido, em clara afronta ao artigo 43 do Código Tributário Nacional.  

A exposição de motivos da MP 1171 reconhece que não pretendeu traçar uma distinção entre os trusts revogáveis e irrevogáveis. O alegado motivo seria a simplificação das regras de tributação, bem como evitar abrir espaço para diferentes interpretações, ou para medidas de planejamento que busquem tratamentos tributários diferenciados. 

No entanto, a manutenção da previsão mencionada, sem levar em consideração as diferenciações inerentes às formas de constituição dos trusts, leva a inconstitucionalidades e à manutenção da insegurança jurídica que a norma deveria mitigar. 

Conclusões 

De acordo com a exposição de motivos da MP, as novas regras visam a tornar a tributação dos rendimentos da pessoa física mais uniforme e justa. Quanto aos trusts, menciona-se que a ausência de regulamentação dos seus efeitos tributários no Brasil é fonte de insegurança jurídica.  

Ainda que tais assertivas mereçam ser endereçadas na legislação, a redação atual da MP deveria ser ajustada de modo a se verificar a concretização de tais objetivos. Seja pela redução da progressividade na tributação das aplicações financeiras, seja pela criação de ficções jurídicas na ausência de uma regulamentação apropriada dos trusts, a MP 1171 parece divergir exatamente de suas principais finalidades.  

 

Fonte: JOTA

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