Acórdão nº 1302-007.072 do CARF: a aplicação de múltiplos regimes tributários pela autuação configura vício material insanável

A seleção do regime de tributação para fins de apuração do lucro constitui uma decisão estratégica por parte do contribuinte. Desde que respeitadas as normas legais, essa escolha deve ser observada pela administração tributária. No entanto, caso sejam identificadas inconsistências relevantes na escrituração, a Receita Federal pode recorrer ao arbitramento, substituindo os critérios dos regimes do lucro real ou presumido por parâmetros legais específicos para estimar o lucro tributável.

Foi esse o cenário analisado no Acórdão nº 1302-007.072, da 1ª Seção de Julgamento, 3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária do CARF. A decisão abordou a impossibilidade de coexistência de mais de um regime de apuração no mesmo período, especialmente nos casos em que se constata omissão de receitas e se aplica o arbitramento.

O caso

O litígio teve início com a lavratura de auto de infração contra a empresa ALMEIDA & DALE GALERIA DE ARTE LTDA., com a cobrança de IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e IRRF referentes aos anos de 2014, 2015 e 2016. A fiscalização considerou a escrituração contábil da empresa inválida e, com base nas movimentações financeiras, arbitrou os lucros. A contribuinte contestou o auto, alegando, entre outros pontos, que houve utilização simultânea de dois regimes de apuração: lucro presumido para as receitas regularmente informadas e lucro arbitrado para os valores considerados como receitas omitidas. Essa argumentação foi mantida no recurso ao CARF, que teve de avaliar a validade da adoção de regimes distintos no mesmo período.

A análise

A discussão central girou em torno da legalidade da combinação de regimes tributários diferentes dentro de um único período trimestral. O conselheiro Wilson Kazumi Nakayama, em voto vencido, defendeu que a escrituração imprestável justificava o arbitramento e que, ao desconsiderar as receitas já declaradas no cálculo do lucro arbitrado, a fiscalização estaria, na verdade, favorecendo a empresa — evitando uma duplicidade de cobrança e possível aumento da base de cálculo.

Contudo, prevaleceu o entendimento firmado no voto do conselheiro Paulo Henrique Silva Figueiredo, que considerou a existência de vício material no lançamento. Fundamentado no art. 1º da Lei nº 9.430/1996, o voto afirmou que a legislação exige a adoção de um único regime de apuração — lucro real, presumido ou arbitrado — por trimestre, não permitindo alternância entre eles no mesmo período.

De acordo com esse entendimento, a constatação de omissão de receitas exigia a substituição integral do regime originalmente adotado, passando a apuração total do período ao regime do lucro arbitrado. Nesse cenário, todas as receitas, informadas ou não, deveriam ser consideradas nesse novo cálculo, com possibilidade de abatimento de tributos já pagos. A alegação de que o procedimento fiscal foi benéfico à empresa não afasta o vício formal e material, uma vez que o erro compromete o próprio processo de quantificação do tributo, nos termos do art. 142 do CTN.

Conclusão

O posicionamento adotado pelo CARF no Acórdão nº 1302-007.072 reafirma a necessidade de observância rigorosa das regras legais na constituição do crédito tributário. A decisão anulou o lançamento devido à combinação inadequada de regimes de apuração, reforçando o princípio da unicidade do regime tributário por período. Mesmo diante de omissões relevantes, a administração fiscal deve rever a totalidade da apuração com base em um único regime legalmente permitido.

Essa deliberação oferece um parâmetro importante para a atuação da Receita Federal e para a defesa dos contribuintes, ao afirmar que a validade do lançamento está diretamente vinculada à correta aplicação das normas que definem a base de cálculo e o tributo devido. O entendimento consolida que eventuais vantagens concedidas ao contribuinte não legitimam práticas que violem regras fundamentais do sistema tributário.

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