ADC 49 e seus reflexos indefinidos na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular

A transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular

Como é de notório conhecimento, a ADC 49 declarou a inconstitucionalidade parcial do artigo 11, §3º II da Lei Complementar 87/1996, firmando o entendimento de que nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular não constituem o fato gerador do ICMS, garantindo aos contribuintes do ICMS, ainda, a manutenção e a transferência dos créditos decorrentes das operações anteriores.

Ao assim decidir, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou unificando o entendimento que há muito já era sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) através da Súmula 166, a qual prevê que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”.

Firmado o entendimento, determinou-se que a referida decisão passaria a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data da publicação da ata do julgamento do mérito, devendo os estados e o Distrito Federal editarem normas para disciplinar a transferência dos créditos até esta data. Findando o prazo sem que ocorresse a regulamentação, ficou assegurado aos contribuintes o direito de transferir os créditos de ICMS.

Em que pese a pendência de análise dos embargos de declaração que visam esclarecer se é facultado ao contribuinte o aproveitamento dos créditos e postergar a modulação de efeitos até 2025 pelo STF, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) deu início às reuniões para, com base no já decidido, celebrar convênio sobre o tema das transferências de mercadoria.

Inicialmente, o Confaz celebrou o Convênio 174/2023 que pouco depois foi rejeitado, em razão da discordância do estado do Rio de Janeiro. Posteriormente editou o Convênio 178/2023, excluindo a necessidade de unanimidade entre os Estados e, assim, em 21 de dezembro de 2023, celebrou o Convênio 225/2023 que alterou o Convênio 142/18, que trata das operações de transferências sujeitas ao ICMS-ST.

A partir da celebração dos referidos convênios, no estado de São Paulo, antes mesmo da edição de qualquer lei complementar, houve por bem promulgar o Decreto 68.243/2023 que regulamentou as disposições contidas no Convênio 178/2023.

Nesse momento, o que todos acreditavam que estaria próximo de uma solução clara, começou a ficar ainda mais nebuloso, se é que era possível.

Isto porque, 3 dias antes do encerramento do ano de 2023, em 29 de dezembro de 2023, foi publicada a Lei Complementar 204/23 que alterou a Lei Kandir (Lei 87/1996), tratando da não incidência do ICMS nas operações de remessa de mercadorias entre estabelecimentos distintos do mesmo contribuinte – em operações internas e interestaduais, bem como para disciplinar a transferência de créditos de ICMS nestas situações, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2024.

Ocorre que tanto o Convênio 178/2023 como o decreto paulista, que regulamentou o referido convênio, tratam a transferência do crédito nas operações interestaduais como obrigatória, divergindo do entendimento dado pelo STF quanto à faculdade do contribuinte em transferir ou manter os créditos oriundos dessa operação.

Já a nova lei complementar não trata com clareza se o contribuinte poderá optar ou não pela manutenção dos créditos decorrentes das operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma titularidade e, ainda, como se não bastasse, a lei complementar limita a transferência do crédito às alíquotas interestaduais em vigor que serão aplicadas sobre a transferência do valor.

Isto significa dizer que, as legislações que decorreram da decisão proferida pelo STF, destoaram um pouco do que restou decidido, pois (i) eliminou a opção do contribuinte na transferência ou manutenção dos créditos oriundos dessa operação; (ii) nas operações interestaduais traz uma limitação que jamais foi tratada no julgamento.

Como se não bastassem essas divergências, há outro problema: a base de cálculo do crédito de ICMS a ser transferido e as alíquotas aplicáveis.

Pois, dada a declaração de inconstitucionalidade do art. 13, § 4°, da Lei Complementar 87/1996, que estabelecia as bases de cálculo nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados diferentes (valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria, custo de produção ou preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente), o termo “valor atribuído à operação de transferência realizada”, previsto no atual inciso I, §4º, do art. 12 incluído pela LC 204/2023, é demasiadamente amplo, abrindo margem a interpretações destoantes, tanto por parte dos contribuintes como pelos fiscos.

E quando estivermos diante de benefícios fiscais? Nenhuma das normas editadas trata expressamente de como devem ser tratados os eventuais benefícios fiscais concedidos pelo estado de origem dessas mercadorias, posto que não especifica se a transferência de créditos deve ocorrer com base nas alíquotas interestaduais nominais ou se o estabelecimento de origem deve considerar eventuais reduções na carga tributária efetiva.

Além dessas questões primárias e essenciais para o planejamento dos contribuintes, principalmente aqueles que possuem estabelecimentos espalhados pelo país, há tantas outras a serem resolvidas, inclusive o ICMS-ST, tema para o qual merece um capítulo à parte nessa trama. Assim, o que parecia ser o fim é apenas um novo começo de discussões que demandam muito mais que um pequeno texto ou a edição desenfreada de normas.

Fonte: JOTA

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