Julgamento da ADC 49 garante direito de contribuintes transferirem créditos de ICMS

Decisão do STF foi acertada ao garantir observância plena ao princípio da não cumulatividade.

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento dos Embargos de Declaração na ADC 49, que haviam sido apresentados pelo estado do Rio Grande do Norte, esclarecendo questões importantes sobre o regime de créditos de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.

Em 2021, o STF julgou improcedente a ADC 49 para afastar a incidência do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica e, por consequência, declarou a inconstitucionalidade dos “artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho ‘ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular’, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal 87, de 13 de setembro de 1996” (LC 87/1996), alinhando-se aos antigos precedentes firmados tanto pelo STF (Tema 1.099), quanto pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 166).

O estado do Rio Grande do Norte apresentou Embargos de Declaração para sanar omissões relativas às questões importantes não abordadas no julgamento anterior. Elas consistiam no pedido de modulação dos efeitos da decisão do STF, esclarecimento sobre a extensão da declaração de inconstitucionalidade do art. 11, §3º, II, da LC 87/96 e a exigência de estorno dos créditos de ICMS pelo estabelecimento de origem com base no art. 155, §2º, II, “b”, da CF.

Diferentemente do cenário anterior, em que apenas parte dos contribuintes optava por ingressar com medidas judiciais quando se sentiam prejudicados pela incidência do ICMS nas transferências entre seus estabelecimentos, o julgamento da ADC 49 teve o efeito de vincular a administração tributária dos estados e todos os contribuintes de ICMS. Com isso, surgiram dúvidas sobre o tratamento dos créditos de ICMS. Como visto acima, os estados chegaram a defender a necessidade de estorno dos créditos de ICMS, o que foi rejeitado por unanimidade pelo STF.

A principal discussão no julgamento ficou em torno da modulação e da possibilidade de os contribuintes continuarem transferindo créditos de ICMS entre os seus estabelecimentos.

Em julgamento do plenário virtual encerrado no último dia 12 de abril, o STF acolheu parcialmente os Embargos de Declaração pelo apertado placar de 6 a 5, confirmando o voto do relator Edson Fachin para acolher o pedido de modulação, de forma que a decisão só produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até o julgamento de 2021. O ministro foi acompanhado por Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Nesse mesmo prazo, o voto de Fachin determinou que “os estados da federação empreendam esforços perante o Congresso Nacional e o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para melhor conformação do esquadro legal do ICMS”, de modo a delimitar a disciplina para a transferência dos créditos de ICMS nas remessas entre os estabelecimentos do mesmo titular. O voto vencedor foi além ao consignar expressamente que a falta de disciplina legal no prazo apontado resultará automaticamente no direito de os contribuintes transferirem seus créditos.

Vale lembrar que a regulamentação da transferência de créditos, caso seja editada, deve ser veiculada por lei complementar, conforme indicado no voto do relator, quando faz referência ao “Congresso Nacional”, em atenção à exigência constitucional para normas gerais de ICMS (art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “c” da Constituição).

O voto vencedor entendeu que a revisão das inúmeras transferências realizadas no passado “ensejaria um indesejável cenário de macro litigância fiscal”. Também reconheceu a necessidade de preservar a situação jurídica dos contribuintes que se valiam da incidência do ICMS como mecanismo de transferência de créditos – como reflexo do princípio da não cumulatividade que orienta o ICMS – especialmente em remessas interestaduais e “sobretudo, aqueles beneficiários de incentivos fiscais de ICMS no âmbito das operações interestaduais”.

Havia expectativa sobre o cumprimento da maioria de dois terços (oito ministros) exigida pelo artigo 27 da Lei 9.868/1999 para acolher a modulação de efeitos proposta por Fachin, que foi acompanhado por outros cinco ministros. Todavia, a questão foi solucionada na sessão presencial de 19 de abril, em que a ministra Rosa Weber declarou o resultado do julgamento para confirmar a modulação de efeitos nos moldes do voto de Fachin.

Prevaleceu o entendimento de que a modulação dos efeitos foi acolhida à unanimidade, havendo divergência apenas quanto à fórmula da modulação, o que poderia ser decidido por maioria simples, como de fato ocorreu no julgamento da ADC 49.

Em nossa visão, os ministros acertaram ao reconhecer que a maioria qualificada se aplica apenas ao reconhecimento da modulação ao caso concreto, mantendo coerência com o julgamento recentemente proferido na ADI 4.411, em que havia 9 votos pela modulação, mas os critérios da modulação foram definidos pelo voto de seis ministros.

No mérito, é interessante notar que o voto de Luís Roberto Barroso, que acompanhou o relator, destacou que o julgamento de 2021 resultou em vácuo normativo, na medida que declarou a inconstitucionalidade da incidência do ICMS sobre as transferências entre estabelecimentos do mesmo titular sem que houvesse norma sobre a transferência dos créditos. Conforme indicou, “esse fato gera uma nova inconstitucionalidade, em decorrência da violação à não cumulatividade do ICMS”.

A posição divergente foi liderada pelo voto de Dias Toffoli (acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux e André Mendonça), que concordou com a modulação dos efeitos, mas entendeu mais adequado estabelecer o prazo de 18 meses contados da data da publicação da ata do novo julgamento para que fosse editada nova lei complementar para disciplinar a transferência de créditos. Ele destacou, inclusive, a existência dos projetos de lei PL 332/2018, em trâmite no Senado, e PLP 148/2021, em curso na Câmara dos Deputados. Entendeu, ainda, não ser necessário “estipular, por ora, qual será a consequência na hipótese de não ser editada a lei complementar federal pertinente”, pois as partes legitimadas poderiam se valer da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Essa posição divergente não prevaleceu.

Como consequência, o que se desenha atualmente é um cenário de transição em que as transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte permanecem sujeitas à exigência do ICMS e, portanto, mantém-se a sistemática de transferência dos créditos ao estabelecimento de destino, até o início de 2024, ressalvados os processos ajuizados anteriormente ao julgamento de 2021. Após esse prazo, o ICMS não será mais exigível, ao mesmo tempo que deverá entrar em vigor a nova disciplina para transferência dos créditos de ICMS. Caso a regulamentação não venha, os contribuintes poderão transferir os créditos. Evidentemente, a decisão do STF afeta de forma distinta contribuintes que se encontram nas mais variadas situações, o que demandará a análise específica dos impactos para cada empresa.

A segunda questão levantada pelo estado do Rio Grande do Norte foi acolhida para esclarecer que o art. 11, §3º, II, da LC 87/1996, que estabelece a autonomia de cada estabelecimento pertencente ao mesmo titular, foi declarado parcialmente inconstitucional, sem redução de texto, apenas para afastar a incidência do ICMS sobre as transferências entre estabelecimento do mesmo titular, mantida a constitucionalidade da norma para outras hipóteses.

Diante de todo o exposto, entendemos que a decisão do STF foi acertada ao garantir a observância plena ao princípio da não cumulatividade, reconhecendo o direito dos contribuintes manterem os créditos de ICMS escriturados nas operações anteriores à transferência das mercadorias, bem como assegurando o direito dos contribuintes transferirem créditos de ICMS entre os seus estabelecimentos.

Fonte: JOTA

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