O STJ e a crise da tributação dos benefícios fiscais de ICMS
Mais uma reviravolta (e insegurança) envolvendo um dos mais longos contenciosos tributários

Desde o final de 2017, os contribuintes sujeitos ao regime do lucro real que possuem benefícios fiscais relacionados ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) passaram a ter um certo conforto no que diz respeito à (não) tributação desses incentivos fiscais.

Isso porque, para além da edição da Lei Complementar nº 160/2017, no contexto de uma tentativa de pôr fim à chamada “guerra fiscal do ICMS”, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia decidido que os incentivos fiscais estaduais de crédito presumido daquele tributo não integram a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), independentemente do cumprimento de quaisquer condicionantes (EREsp n° 1.517.492/PR).

Para aquela Corte, seria irrelevante a classificação do benefício concedido como subvenção para custeio ou para investimento, tão temida pelos contribuintes, e objeto de infindáveis discussões com o Fisco Federal por décadas.

Vem decidindo o STJ, desse modo, que sobre os créditos fiscais renunciados pelos estados em favor do contribuinte como instrumento de política de desenvolvimento econômico deve ser reconhecida a imunidade constitucional recíproca do artigo 150, VI, da CF/88, de modo que não poderiam tais valores (dos créditos presumidos ou outorgados de ICMS) ser tributados pela União.

Aceitar interpretação que autorizasse tributar os incentivos fiscais concedidos pelos estados, fossem eles classificados como subvenção para investimentos ou para custeio, implicaria violação de cláusula pétrea atinente ao princípio federativo, já que a União estaria invadindo a competência estadual dos estados que concederam incentivo fiscal do ICMS. Além disso, a União estaria retirando, por via oblíqua, o incentivo fiscal que determinado Estado, no exercício de sua competência tributária, outorgou.

O que causou uma nova rodada de insegurança aos contribuintes foi o julgamento do REsp nº 1.968.755/PR, realizado em 05.04.2022 pelos ministros da 2ª Turma do STJ. Na ocasião, entendeu-se pela impossibilidade de excluir diretamente (sem análise da natureza da subvenção) os valores decorrentes de incentivo de isenção e de redução da base de cálculo de ICMS na apuração do IRPJ e da CSLL, aplicando um distinguishing em relação ao EREsp n° 1.517.492/PR.

Nesse caso, o ministro relator, Campbell Marques, afirmou, com base nos fundamentos da decisão do TRF4, que nas reduções e isenções de imposto o contribuinte estaria simplesmente deixando de ter uma saída de despesa, o que seria “grandeza negativa”, enquanto créditos presumidos, que, em tese, configuram receita, devem ser considerados “grandezas positivas”. Tais argumentos, todavia, podem ser objeto de críticas sob a perspectiva contábil.

Isso porque, também os benefícios fiscais da isenção e da redução da base de cálculo (assim como os de crédito presumidos/outorgados) impactam a apuração do lucro líquido das empresas (base de partida para apuração do lucro real). Desde 2008, nos termos do Pronunciamento Técnico CPC 07, as subvenções devem transitar pelo resultado das companhias.

O CPC 07 ainda determina que a forma como a subvenção é recebida não influencia no método de contabilização a ser adotado. Assim, a contabilização deve ser a mesma independentemente de a subvenção ser recebida em dinheiro ou como redução de passivo.

Mesmo que, a título argumentativo, houvesse sólido fundamento contábil para sustentar a tese adotada pelo TRF 4, sabe-se que o Direito não se curva ao conceito contábil para sua aplicação, ainda que a contabilidade (ou outra ciência afim) possa ser tomada como ponto de partida (STF, RE nº 606.107, j. em 22.05.2013).

Além disso, o ministro Campbell Marques interpretou que autorizar a não tributação pelo IRPJ e pela CSLL seria o mesmo que conceder uma isenção heterônoma (com a queda da arrecadação pela União), o que seria vedado pela Constituição. Decidiu-se, assim, que “a construção do STJ sobre créditos presumidos não pode ser generalizada de forma a abarcar tudo quanto seja benefício fiscal de ICMS, devendo-se limitar a situações idênticas”.

Não nos parece, todavia, ser essa a melhor interpretação. Pelo contrário, não vislumbramos razão para que a decisão da 2ª Turma, nesse caso, seja diferente da interpretação dada ao tema pela 1ª Seção em 2017 – em ambos os casos se estava diante da discussão se a renúncia fiscal dos Estados poderia ser tributada por outro ente federado.

O caso ainda será apreciado pelo tribunal de origem, para fins de eventual aplicação das condições previstas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 e identificação se os benefícios podem ser qualificados como subvenções para investimento e, como consequência, excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

O panorama atual no STJ, portanto, é que ao crédito presumido de ICMS se aplica o entendimento de impossibilidade de tributação pela União (posição da 1ª Seção). Já aos demais benefícios fiscais de ICMS se aplica o disposto no artigo 10 da Lei Complementar nº 160/2017 e no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 (posição da 2ª Turma, que ainda pode ser revisto pela Seção, considerando haver manifestação em sentido diverso proferida anteriormente pela 1ª Turma da Corte – REsp nº 1.222.547/RS). Mais uma reviravolta (e insegurança) envolvendo um dos mais longos contenciosos tributários.

THAIS ROMERO VEIGA SHINGAI – Especialista em Gestão Tributária pela FIPECAFI. Advogada da área tributária de Mannrich e Vasconcelos Advogados.
DANIEL FRANCO CLARKE – associado da área tributária da SiqueiraCastro.

Fonte: Jota

Compartilhar

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Postagens relacionadas