Offshore, trust e fundos exclusivos: valem a pena?

Caminhando no tema dos planejamentos patrimoniais sucessórios e ainda com foco nos instrumentos contratuais e societários, é necessário, primeiro, desmistificar os institutos da “offshore”, do “trust” e dos “fundos exclusivos”[1] e, depois, questionar: eles valem a pena?

Após o escândalo dos Panama Papers[2], paira sobre a offshore uma sombra “diabólica” [3]. Esquecem-se as vantagens da constituição dessas empresas para fins de planejamento e diversificação de investimentos e somente apontam-se as inúmeras fraudes descobertas no mundialmente — e famoso — escândalo.

As offshore não são ilegais. Pelo contrário, são sociedades (empresárias) constituídas fora da jurisdição brasileira e, quando em paraísos fiscais, possuem a facilidade de tributação favorecida em regimes fiscais privilegiados (“tributações favorecidas”), se o titular, a priori, não realizar negócios dentro do país escolhido. Ou seja, e para fins de planejamento, é uma empresa para gestão de patrimônio financeiro e/ou imobiliário, não para exploração de atividades econômicas outras, propriamente ditas.

A própria Receita Federal disciplina o que são jurisdições com “tributações favorecidas” na Instrução Normativa nº 1.037/10, com a seguinte definição: “Para efeitos do disposto nesta Instrução Normativa, consideram-se países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna não permita acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade”.

Exemplo típico no mundo dos planejamentos: a constituição de offshore nas Ilhas Virgens Britânicas[4], com consequente abertura de conta de investimento pela sociedade estrangeira em instituição financeira sediada nos Estados Unidos ou na Suíça. Afora o benefício tributário no rendimento da aplicação financeira e a proteção contra as oscilações do câmbio e da desvalorização da moeda, em BVI não há a incidência do imposto “causa mortis” na transmissão dos bens aos herdeiros. Se o negócio fosse feito diretamente, na pessoa física, nos Estados Unidos, por exemplo, o imposto poderia ser de 40% do valor do patrimônio.

Assim, as offshores podem ser utilizadas para investimento e gestão de ativos no mercado financeiro internacional e/ou para a aquisição de imóveis fora do Brasil (ex. Miami), sem que haja qualquer ilegalidade, bastando que sejam seguidos os trâmites regulares na constituição da sociedade, que a participação societária seja declarada para a Receita Federal e os investimentos, no Banco Central[5].

Outro instrumento internacional típico dos planejamentos sucessórios é o trust[6]. Imagine que o fundador da família constitua uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, mas tem grande receio de que seus filhos possam dilapidar o patrimônio, seja porque gastam muito, seja porque não possuem aptidão na gestão dos bens. O que fazer? A constituição de um trust, onde “o proprietário de certo bem, denominado settlor, afeta-o a uma determinada finalidade e o transmite a um terceiro (trustee), que o recebe com o encargo de dar cumprimento a essa finalidade e, uma vez cumprida, transmiti-lo a um beneficiário (denominado cestui que trust), que pode ser o próprio transmitente (settlor)”[7], é uma ótima ideia[8].

trustee administrará, com diligência e cuidado, os bens do settlor como se fossem seus e de acordo com as instruções deixados por este no instrumento de constituição do trust[9]. É um verdadeiro contrato de fidúcia e pode ser utilizado em inúmeras jurisdições como uma forma de resguardar e gerir o patrimônio após a morte do patriarca/matriarca da família. No Brasil, não obstante a possibilidade de contratos atípicos[10], o trust esbarra ao menos em duas impossibilidades: (i) de contratos dispondo sobre a herança de pessoa viva[11]; e (ii) a necessidade da transmissão da legitima aos herdeiros[12]. Será necessário, portanto, aguardar a votação e publicação de projeto de lei regulando o tema (PL 4758/20).

Por fim, os fundos exclusivos são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por meio da Instrução Normativa nº 555 de 2014, a qual dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação das informações dos fundos de investimento[13]. A vantagem da constituição deste instrumento, sempre para investidores qualificados[14], é a concentração de todo (ou parte) o patrimônio em um fundo com as características e políticas de investimento da família.

Além do mais, pode-se instituir regras de governança (investidor tem total controle sobre o fundo), “blindagem patrimonial”[15] (possibilita uma proteção a mais ao patrimônio), sucessão (o investidor pode transferir diretamente suas quotas para os herdeiros, mantendo o direito de usufruto), o imposto de renda é pago a valor presente (economia tributária) e, há benefício tributário (isento em movimentações internas do fundo).

Como se percebeu, a resposta à indagação inicial não é “sim”, nem “não”. A constituição de uma offshore, de um trust ou de um fundo de investimentos exclusivo dependerá do patrimônio da família e do desejo de diversificação de investimentos, tudo sempre alinhado com a cultura familiar e a estratégia de crescimento dos negócios.

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Para quem quiser saber mais sobre os Panama Papers e seus atores, recomendo o site Panama Papers.


[1] Este artigo, o quarto da série sobre planejamento patrimonial sucessório, trata – resumidamente – de três institutos complexos, com inúmeras variáveis, com reflexos tributários e na legislação internacional. É extremamente recomendável o aprofundamento e o estudo detalhado de cada um deles em separado.

[2] Conferir a reportagem: Escândalo Panama Papers: como tudo começou | Exame acesso aos 09/05/2022.

[3] Neste escândalo, muitas das offshores eram utilizadas para fins escusos, não é naturalmente o propósito empregado nos planejamentos patrimoniais e sucessórios.

[4] Art. 1º, LXV – Ilhas Virgens Britânicas, da Instrução Normativa da RFB. Vale a pena conferir a extensa lista de países listados na instrução normativa em comento.

[5] O capital brasileiro no exterior declarado no Banco Central em 2019 é de R$ 529 bilhões. Somente as Ilhas Cayman (paraíso fiscal), arquipélago situado a 240 quilômetros ao sul de Cuba, tem um estoque de US$ 85,7 bilhões de Investimento Direto Externo (IDE) de brasileiros.

[6] É possível também a constituição de uma fundação. O patrimônio da família é vertido para a fundação, que o administrará.

[7] Justificação do Projeto de Lei nº. 4758/20, que dispõe sobre a fidúcia.

[8] O trust pode ser revogável ou irrevogável.

[9] Sempre importante citar o Código Civil, nos artigos que estipulam a função social do contrato, a intervenção mínima do estado e a boa-fé (lealdade) contratual. Observe-se: “Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019). Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019). Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

[10] Art. 425, Código Civil. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

[11] Art. 426, Código Civil. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

[12] Art. 1.789, Código Civil. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.

[13] Eles podem ser abertos ou fechados: no primeiro – Aplicações e resgates podem ocorrer a qualquer momento; há come-cotas semestralmente (não se aplica para fundos de ação); IR com alíquotas regressivas (não se aplica para fundos de ação); não possui prazo de encerramento; e não é possível transferir cotas; no segundo – Limite anual de dois regastes e aportes; não há come-cotas; possui prazo de encerramento; e é possível a transferência de cotas por cessão;   

[14] Pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo próprio. (Instrução Normativa CVM nº 554 de 2014)

[15] Agravo de Instrumento. Ação cautelar inominada. Indeferimento de liminar. Irresignação da autora. Lide entre ex-casal. Alegação de desvio de valores de conta corrente conjunta, por parte do agravado, enquanto administrador dos bens comuns antes de ultimada a partilha extrajudicial. Pretensão de bloqueio de cotas de fundos de investimento exclusivo do ex-cônjunge até o montante de R$ 34.485.389,89. Inexistência dos requisitos autorizadores da medida. Incomprovação, ao menos neste exame de cognição sumária, de que os valores foram movimentados pelo agravado, bem como da prática de atos por parte deste de que pretenda “desaparecer com o bem reclamado”. Ausência do fumus boni iuris e do periculum in mora. Outrossim, o bloqueio em fundo de investimento poderia interferir na esfera jurídica de terceiros. Aplicação, à hipotese, do teor da súmula 58 deste tribunal. Decisão que não se mostra teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos. Recurso conhecido e desprovido. (realce nosso) (TJ-RJ – AI 00316565320128190000 RJ 0031656-53.2012.8.19.0000, Relator: Fernando Cerqueira Chagas, Data do Julgamento: 31/07/2012, 15ª Câmara Cível)

 

 

DANIEL BUSHATSKY – Sócio da Bushatsky Advogados. Mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC-SP. Docente no curso de pós-graduação em Direito Empresarial na COGEAE/PUC-SP e na disciplina de Mediação e Arbitragem da Universidade Municipal de São Caetano (USCS). Professor convidado da Escola Superior de Advocacia (ESA) e da Escola Paulista de Direito (EPD). Instrutor Convidado do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Presidente do Conselho de Administração da INOVAFARM. Fundador do Instituto de Direito Empresarial e Negócios (IDEN)

Fonte: Jota

 

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