Perse: desmonte ou redução do ‘populismo fiscal’?

Portaria reduz número de setores que podem usufruir das alíquotas zero previstas no programa e divide opiniões

Uma portaria publicada em 2 de janeiro reduziu para 38 o número de setores que podem usufruir das alíquotas zero previstas no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Trata-se de mais um passo na redução do escopo do programa, que divide opiniões. Por um lado, há quem aponte que o Perse vem sendo sistematicamente esvaziado, com a diminuição dos setores que fazem jus às isenções fiscais. Por outro, há quem veja o programa como uma espécie de “populismo fiscal”, que extrapola o setor de eventos para prever um benefício fiscal de cinco anos para um rol enorme de empresas.

A Portaria 11.266/23 excluiu 50 setores dos benefícios de alíquota zero do Perse. Ficam de fora deste ponto do programa atividades como a de instalação de janelas e portas, tradução, seleção e agenciamento de mão de obra, fabricação de vinho, administração de infraestrutura portuária e segurança privada.

As companhias, porém, podem usufruir dos demais benefícios do Perse, como o parcelamento de débitos.

A norma, editada na gestão Bolsonaro mas publicada apenas em 2023, está relacionada à MP 1147, de 20 de dezembro de 2022. A norma altera a Lei 14.148/21, que instituiu o Perse, para prever que farão jus à alíquota zero de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL as pessoas jurídicas atuantes em atividades “relacionadas em ato do Ministério da Economia”. A medida, assim, abriu espaço para que a pasta reduzisse o número de companhias que podem deixar de recolher os tributos por 60 meses.

A redução divide opiniões. Há quem veja a decisão como uma racionalização do Perse, que, na prática, abarcou empresas para além do setor de eventos. Prova disso é a possibilidade de que companhias do ramo de instalação de janelas ou de atividades de apoio à pesca possam entrar no programa e ficar 60 meses sem recolher tributos.

Há, entre alguns especialistas, a visão de que o Perse é uma espécie de “populismo fiscal”, que beneficia setores com diálogo junto ao antigo governo.

Por outro lado, há quem aponte que o objetivo principal do Perse, para além de garantir a sobrevivência do setor de eventos, é reduzir os impactos gerados pelas medidas sanitárias de prevenção à Covid-19. Isso justificaria a inclusão dos restaurantes e hotéis no programa, por exemplo.

Além disso, a Portaria 11.266 é criticada por ter excluído setores ligados à realização de eventos ou que foram profundamente afetados pela pandemia, como lanchonetes, gestão de instalação de esportes, serviços de bufê e discotecas.

Restrição e judicialização

Uma linha do tempo mostra que apesar de o governo Bolsonaro ter optado por regulamentar o Perse incluindo uma ampla gama de setores, o programa vem sendo restringido reiteradamente. As restrições, por sua vez, têm gerado uma gigante judicialização.

São exemplos desse processo a necessidade de cadastro no Ministério do Turismo (Cadastur) para entrada no Perse, a proibição de que empresas do Simples se beneficiem do programa e a restrição das alíquotas zero às receitas e resultados operacionais relacionados a eventos sociais e culturais e serviços turísticos. A Portaria 11.266, por sua vez, deve gerar uma nova onda de questionamentos judiciais, de acordo com tributaristas.

Entre outros pontos, a norma pode ser questionada, segundo especialistas, por não prever o respeito à anualidade e à noventena. Isso porque, na prática, a portaria gera aumento de alíquota, só podendo valer 90 dias após sua publicação em relação ao PIS, Cofins e CSLL, e em 2024 em relação ao IRPJ.

“O severo afunilamento do benefício pode gerar um relevante contencioso em torno da medida, seja em relação ao momento de sua cessação, seja em relação à proteção de expectativas, objetivo da norma e segurança jurídica daqueles inicialmente beneficiados”, opina Caio Cesar Nader Quintella, sócio da área tributária do escritório Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados.

O advogado Thiago Marques, sócio do Bichara Advogados, concorda que haverá judicialização, mas observa que muitas empresas podem optar por esperar a passagem da MP 1147 pelo Congresso. Caso não seja mantido o dispositivo que dá ao Ministério da Fazenda a possibilidade de escolher os setores que fazem jus à alíquota zero, a Portaria 11.266 perde os efeitos.

Consultado, o ministério informou que não comentará o assunto.

Fonte: JOTA

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