O efeito retroativo das decisões sobre a coisa julgada da CSLL

Decisão dos leading cases deveria operar efeitos prospectivos, ante sua novidade e ausência de modulação, e não retroagir

O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou os julgamentos dos leading cases 949.297/CE e 955.227/BA (Temas 881 e 885, respectivamente), que tratam da cessação da eficácia da coisa julgada contrária a precedente firmado pela corte, nas relações jurídicas tributárias de trato continuado.

O que interessa ao presente artigo é entender seu efeito na prática, especialmente como fica a situação no período entre a decisão da ADI 15-2 (2007) e a data do recente julgamento (fevereiro de 2023). Recorde-se que a tese fixada pelo ministro Luís Roberto Barroso contida no item 2 é a seguinte: “Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo“.

A redação desta proposta, todavia, deve ser compreendida em duas partes: a primeira, que diz respeito à cessação da eficácia da coisa julgada tributária em face de precedente que lhe é superveniente e contrário; a segunda, relativa à necessária obediência à irretroatividade e à anterioridade.

Muito embora analisadas de forma cindida, as duas partes da proposta da tese estão imbricadas.

Comecemos pela primeira delas. Ao finalizar o julgamento dos leading cases, o STF afirmou, pela primeira vez, que os precedentes por ele exarados paralisam os efeitos da coisa julgada tributária nas relações jurídicas de trato continuado, não havendo mais dúvida de que tal tese jurídica, aplicável a todos os demais casos tributários, projete-se doravante.

O ponto que se observa, no entanto, é o enquadramento desta tese para o específico tema da CSLL e seu impacto nas coisas julgadas existentes em 2007.

Em 21/6/2007, foi publicada a ata de julgamento da ADI 15-2 que, na óptica do Supremo, teria fixado a constitucionalidade da exigência da Contribuição. Somente isso. Tal significa que, àquela época, o fisco poderia cobrar a CSLL. No entanto, imprescindível rememorar que nada foi estabelecido sobre a projeção da decisão em relação aos fatos geradores acobertados pela coisa julgada. 

Exatamente por esse motivo é que houve o reconhecimento da repercussão geral dos leading cases 949.297/CE e 955.227/BA em 2016, e de seu julgamento em 2023, qual seja, para que a Suprema Corte pudesse decidir expressamente se a exigência da CSLL poderia dar-se quanto aos contribuintes detentores de coisa julgada individual oposta à sua manifestação. Se assim não fosse, isto é, se a questão estivesse clara desde a prolação da decisão na ADI 15-2, em 2007, qual o sentido do julgamento de 2023?

Estamos diante de relações jurídicas tributárias de trato continuado. A vida fenomênica é um filme e não uma foto que retrata apenas um instante. A segurança jurídica reclama que a Suprema Corte analise as consequências de sua decisão sobre fatos ocorridos nos últimos quase 16 anos, sem deixar de considerar que as decisões transitadas em julgado continuaram a produzir efeitos, inclusive legitimadas por decisão de repetitivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ). À ocasião, a própria corte compreendia que a matéria em debate seria de natureza infraconstitucional e, sequer, objeto de sua deliberação.

No entanto, mesmo diante de tal cenário, o plenário houve por bem legitimar o efeito retroativo de sua decisão, impactando fatos ocorridos mais de 15 anos atrás, desde 2007, após deliberação final tomada pela diferença de um voto.

Extrai-se do voto exarado pelo ministro Barroso (ainda não publicado, é certo, mas debatido especialmente na última sessão de julgamento do dia 8 de fevereiro), que a Suprema Corte afirmou que a decisão da ADI 15-2 poderia cessar os efeitos da coisa julgada contrária obtida pelos contribuintes desde 2007, obrigando-lhes, por consequência, a pagar a CSLL (registremos: exigência já formalizada em auto de infração ou, ainda, com relação aos últimos cinco anos porventura não materializados).

Ao fazê-lo, o Supremo Tribunal Federal acrescentou àquela decisão da ADI 15-2 um efeito novo, qual seja, aquele que lhe outorga aptidão de paralisar a coisa julgada tributária da CSLL, ressuscitando a exigibilidade da Contribuição quanto aos fatos geradores ocorridos a partir de 2007.

Em outros termos, a decisão dos leading cases em 2023 criou eficácia antes inexistente ao julgado de 2007, a de cessar a coisa julgada contrária e, com isso, autorizar a cobrança da Contribuição desde então. Isso depois de transcorridos mais de 15 anos.

Note-se, e aqui está o ponto: o Supremo Tribunal Federal não admitiu que a decisão da ADI 15-2 produzisse “efeitos regulares”, mas adicionou eficácia que antes não havia, porque naquela ocasião nada foi dito sobre a possibilidade de interrupção automática dos efeitos da coisa julgada da CSLL. 

Ademais, a decisão dos leading cases não foi modulada, isto é, não houve a fixação de seu termo inicial para momento diverso à data da respectiva publicação da ata de julgamento, o que, em tese, poderia deslocar aquela eficácia para 2007.

Uma vez retida esta afirmação, analisemos a segunda parte da proposta do ministro Barroso: a de que se o precedente superveniente à coisa julgada decidir no sentido da constitucionalidade do tributo antes tido por inconstitucional em sentença individual, tal equivale a sua (re)instituição ou majoração e, por isso, não pode ser aplicado de modo retroativo e, ainda, deve-se observar a anterioridade. Pois bem. Passemos a juntar ambas as parcelas da tese com aplicação ao caso concreto da CSLL.

Se observarmos que em 2023 a Suprema Corte acrescentou um efeito antes inexistente àquela decisão da ADI 15-2, significa que, ao assim proceder, de modo a autorizar a exigibilidade da CSLL de forma imediata desde 2007, em verdade, outorgou tratamento retroativo à sua decisão, pois rejeitou a proposta de modulação, repita-se.

Para que a afirmação fique mais clara: uma vez que somente em 2023 o Supremo Tribunal Federal imprimiu eficácia nova à decisão exarada na ADI 15-2, autorizando a cobrança da Contribuição desde 2007 mesmo para quem possuía decisão definitiva, acabou por imprimir efeitos retroativos ao seu julgado, em nítida contradição com a segunda parte da proposta que assim o veda, pois ressalvou a anterioridade.

O julgamento do STF fixou a tese e resolveu a questão da limitação da eficácia da coisa julgada nas relações jurídicas tributárias de trato continuado nos casos em que sobrevier precedente contrário. A situação está equacionada para o futuro. Não é possível admitir-se, contudo, que agora seja atribuído efeito retroativo, considerando que nada se estipulou a esse respeito em 2007, e o STJ legitimou tal direito aos jurisdicionados, inclusive com o beneplácito da corte que decidira que o tema não era constitucional. O contribuinte não arriscou apostando todas as suas fichas em uma roleta. Simplesmente confiou na sua decisão transitada em julgado e nos efeitos a ela atribuídos por decisão em repetitivo do Superior Tribunal de Justiça.

Em suma, a decisão dos leading cases deveria operar efeitos necessariamente prospectivos, ante sua novidade e ausência de modulação, e não retroagir, desprestigiando a boa-fé dos contribuintes diante do cenário que se apresentava. Portanto, pensamos que tais considerações devem ser avaliadas com a devida profundidade que o tema exige quando da publicação dos respectivos acórdãos.

Fonte: JOTA

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