A leitura do fisco sobre incentivo distinto do crédito presumido

É comum que estados da federação concedam benefícios fiscais que reduzam a carga tributária do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) suportada pelos contribuintes como forma de incentivar a escolha do território estadual para desenvolvimento de suas atividades.

Os benefícios fiscais podem ser classificados em duas modalidades: os que acarretam redução do ônus tributário, como na concessão de crédito presumido, redução de alíquota e redução de base de cálculo; e os que proporcionam alívio fiscal e operacional ao contribuinte, como no diferimento da tributação e na dispensa do cumprimento de obrigações acessórias.

Nos primeiros, há ganho econômico do contribuinte, pois se há redução dos desembolsos com ICMS, é certo que o resultado da companhia favorecida será mais positivo do que o cenário decorrente da tributação sem benefício fiscal.

O artigo 30 da Lei 12.973/14 prevê que essa diferença positiva, decorrente de benefícios fiscais, não seja computada na apuração do lucro real, desde que cumpridos determinados requisitos.

Um deles consiste na leitura do fisco de que apenas os benefícios fiscais concedidos mediante contrapartidas específicas do contribuinte, as chamadas subvenções para investimento, é que poderiam ser afastados da apuração do lucro real. Já os benefícios concedidos sem contrapartidas, as subvenções de custeio, não poderiam ser afastados da apuração do lucro real.

A Lei Complementar nº 160/17 incluiu o parágrafo 4º no supracitado artigo 30 da Lei 12.973/2014 para pôr fim a tal distinção, estabelecendo que todos os benefícios fiscais de ICMS devem ser considerados subvenções de investimentos e, assim, podem deixar de ser computados no lucro real, desde que observados os demais requisitos. Apesar disso, a Receita Federal insiste na distinção entre subvenções de investimento e subvenções de custeio, de modo que apenas as primeiras estariam afastadas da tributação federal, nos termos da Solução de Consulta COSIT nº 145/20.

O tema foi apreciado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do EREsp nº 1.517.492, quando o colegiado entendeu que os benefícios fiscais concedidos pelos estados não estariam sujeitos à tributação federal.

O principal fundamento utilizado pelo STJ foi que as subvenções representam renúncia de receita dos estados. Sendo receita dos estados, a tributação federal das subvenções violaria o princípio federativo e a imunidade recíproca, independente da eventual distinção entre subvenções de custeio e investimento.

Além disso, a 1ª Seção do STJ já se pronunciou sobre o assunto à luz da Lei Complementar nº 160/17, quando reafirmou a impossibilidade de tributação federal dos incentivos estaduais e afirmou que a superveniência de lei que determina a qualificação do incentivo fiscal estadual como subvenção de investimentos não tem o condão de alterar a conclusão de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação do princípio federativo” (AgInt no EREsp nº 1.462.237).

A despeito do entendimento pacífico do STJ, o fisco aduz que apenas os incentivos fiscais da modalidade crédito presumido é que poderiam ser afastados da tributação federal. Isso porque, os créditos presumidos seriam benefícios fiscais “positivos”, pois agregariam algo novo em favor do contribuinte, o que justificaria o afastamento dos tributos federais.

Já benefícios como a redução de alíquota, redução de base de cálculo e isenção seriam benefícios fiscais “negativos”, pois implicariam redução de desembolso sem efetivo acréscimo ao patrimônio do contribuinte. Esses incentivos seriam atos não tributados que meramente reduzem o desembolso com ICMS, mas que não impactariam a formação da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Em suas manifestações, a União alega que “a redução da base de cálculo do ICMS não aumenta a base de incidência do IRPJ e da CSLL ou do PIS e da Cofins; não criam uma receita adicional, sendo, portanto, impossível a aplicação do precedente”.

Tal entendimento vem sendo encampado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). No Processo nº 5000264-80.2020.4.04.7113, a 2ª Turma entendeu que “enquanto os créditos (v.g, créditos presumidos de ICMS) são grandezas positivas, que em tese configurariam receita, o incentivo fiscal de a) redução de base de cálculo de ICMS e b) redução de alíquota de ICMS são grandezas negativas – decorrentes do exercício, pelo ente tributante, do poder de não tributar (a outra face do poder de tributar) – que, como tais, não poderiam logicamente ser tomadas como receita”.

Assim, para o fisco e para o TRF4, a pretensão de não computar os benefícios fiscais na apuração do lucro pressuporia a configuração de receita, o que ocorreria apenas no caso de créditos presumidos. Parece-nos que tal orientação não deve prevalecer.

Primeiro, porque o fundamento central do STJ para afastar a tributação federal dos benefícios fiscais foi a proteção do pacto federativo. Nesse contexto, independentemente da modalidade do incentivo, a incidência de IRPJ e CSLL representaria tributação de receita do estado pela União, o que estaria desalinhado com o entendimento do STJ.

Tanto é assim que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) tem aplicado a orientação do STJ mesmo em casos em que se discute benefício fiscal distinto do crédito presumido, a exemplo do acórdão proferido no Processo nº 5011390-26.2019.4.03.6100, em que se afastou a tributação federal sobre redução de base de cálculo de ICMS.

Segundo, porque a legislação reconhece que qualquer espécie de subvenção tem impacto no resultado do contribuinte. Ao contrário do entendimento sustentado pela União, o artigo 44, IV, da Lei nº 4.506/64 dispõe que “integram a receita bruta operacional […] IV — As subvenções correntes, para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais”.

Em terceiro, porque o STJ já entendeu ser indiferente se o ganho obtido pelo contribuinte com incentivo fiscal decorre de elemento positivo ou de redução de custos. Em ambos os casos, o benefício fiscal impactará a apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Na ocasião, o STJ apreciou controvérsia acerca da tributação dos ganhos havidos com o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) pelo IRPJ e pela CSLL. Assim como no caso das subvenções, o fisco entendia que a mera redução de custos (“benefício negativo”) não impactaria a base de cálculo dos tributos federais.

Ao afastar a incidência de tributos federais sobre o Reintegra, o tribunal consignou que: “O STJ possui jurisprudência no sentido de que ‘Todo benefício fiscal, relativo a qualquer tributo, ao diminuir a carga tributária, acaba, indiretamente, majorando o lucro da empresa e, consequentemente, impacta na base de cálculo do IR’”.

E, por último, porque seja no crédito presumido ou na redução de base de cálculo, o incentivo acarreta aumento do resultado do contribuinte. Esse aumento não deveria estar sujeito à tributação federal, independentemente de ser positivo ou negativo.

Em recente decisão, o ministro Mauro Campbell Marques afastou o tratamento distinto dos benefícios fiscais de ICMS proposto pelo TRF4, afirmando que: “A distinção feita pela Corte de Origem de forma genérica e superficial entre créditos presumidos e demais benefícios fiscais (isenção ou redução da base de cálculo) não procede”.

Além disso, recentemente a 1ª Turma do STJ afastou a tributação federal sobre diferimento de ICMS sem a cobrança de correção monetária e com juros reduzidos.

O colegiado entendeu que a tributação da vantagem econômica experimentada pelo contribuinte com o benefício fiscal em questão “leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo”, sem traçar qualquer distinção entre tal modalidade de incentivo e a concessão de crédito presumido.

Logo, independentemente da espécie do incentivo, os benefícios fiscais de ICMS não deveriam se sujeitar ao IRPJ e à CSLL, podendo ser afastados da tributação federal, na linha do entendimento firmado pela 1ª Seção do STJ.

 

PAULO CAMARGO TEDESCO – Sócio do Mattos Filho
LEONARDO LINCK SQUILLACE – Advogado do Mattos Filho
MARCELO GUIMARÃES FRANCISCO – Advogado do Mattos Filho

 

fonte: Jota

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