A Solução de Consulta Cosit 39/2025 e o cost sharing internacional

Os contratos de rateio de despesas (cost sharing agreements) são instrumentos amplamente utilizados por grupos econômicos com o objetivo de racionalizar e otimizar os custos relacionados a atividades de suporte administrativo (backoffice), como, recursos humanos, contabilidade e tecnologia da informação.

Por meio desses contratos, uma das empresas do grupo atua como centralizadora dos custos e despesas relacionados a essas atividades secundárias, sendo posteriormente reembolsada pelas demais entidades pela parcela das despesas que lhes beneficiaram. Trata-se de um modelo de gestão eficiente e recorrente, que visa à redução de custos e à maximização dos resultados consolidados do grupo econômico.

Ao longo dos anos, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e determinadas Soluções de Consulta fixaram determinados critérios que devem ser seguidos para que a validade e legitimidade desses contratos sejam reconhecidas.

Contudo, ao mesmo tempo, a adoção dessa prática também tem sido objeto de controvérsia entre os contribuintes e a Receita Federal, especialmente quanto a dois aspectos centrais:

– a dedutibilidade das despesas incorridas com o reembolso à entidade centralizadora pelas despesas incorridas em benefício do contribuinte; e

– na perspectiva da entidade centralizadora, a tributação dos valores recebidos a título de reembolso.

Recentemente, em 18/3/25, a RFB publicou Solução de Consulta analisando o tratamento fiscal que deve ser conferido a remessas ao exterior realizadas no contexto de contratos de rateio de despesas (cost sharing agreements).

De acordo com a Solução de Consulta Cosit 39, de 18/3/2025 (SC Cosit 39/2025), essas remessas estão sujeitas à tributação pelo IRRF, Cide e PIS/Cofins-Importação, ainda que destinadas ao simples reembolso de parte relacionada estrangeira por despesas e custos incorridos no âmbito de contratos de rateio, sem a inclusão de margem de lucro.

Segundo a SC Cosit 39/2025, incide IRRF, Cide e PIS/Cofins-Importação “sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a título de remuneração de residente ou domiciliado no exterior decorrente de contratos de compartilhamento de custos de serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes (cost sharing agreement) entre empresas do mesmo grupo econômico”.

Nessa ocasião, a RFB examinou situação na qual empresa brasileira, controlada por sociedade francesa, efetuava remessas à sua controladora para reembolsá-la por “despesas e os custos com salários dos contadores, dos advogados e dos colaboradores do setor administrativo, que beneficiam todo o grupo econômico”, sem margem de lucro e com base em contrato de rateio específico.

Em linhas gerais, a conclusão da RFB pela incidência de tributos sobre essas remessas se baseou na premissa de que esses valores, mesmo sem margem de lucro, configurariam remuneração pela importação de serviços técnicos e de assistência administrativa.

Especificamente com relação ao IRRF e à Cide, a RFB entendeu que:

– “a existência ou não de cobrança de margem de lucro na precificação dos serviços prestados no âmbito do contrato em apreço é irrelevante para efeitos da incidência da Cide e do IRRF”; e

– “Seja a precificação da operação feita com a imposição de margem ou não, trata-se de remuneração e sobre a remessa temos tanta a incidência da Cide como do IRRF”.

Em relação ao PIS e à Cofins-Importação, a RFB estabeleceu que “a Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação incidem sobre importações que se subsumam a suas hipóteses de incidência, inclusive no caso de operações realizadas no âmbito de acordos de repartição de custos e despesas, em quaisquer de suas modalidades”.

O posicionamento adotado repete argumentos já presentes em soluções de consulta anteriores, como a Solução de Consulta Cosit 43, de 26/2/2015 (SC Cosit 43/2016) e a Solução de Consulta Cosit 50, de 5/5/2016 (SC Cosit 50/2016). Nessas manifestações, a RFB sustentou que, independentemente da existência de lucro, a centralização de despesas, com o posterior recebimento de reembolso das entidades beneficiadas, representa prestação de serviços tributável como tal.

Como se pode notar, o posicionamento da RFB está pautado em duas premissas principais:

– os valores remetidos ao exterior a título de reembolso, ainda que sem a inclusão de margem de lucro, correspondem à remuneração; e

– estão relacionados à contratação de serviço (técnico e de assistência administrativa, por exemplo).

No entanto, apesar da posição firmada pela RFB, há argumentos jurídicos sólidos que respaldam a não incidência de tributos sobre essas remessas.

Em relação à primeira premissa adotada pela RFB, não é possível equiparar o simples reembolso, sem margem de lucro, à figura da remuneração. O ressarcimento de custos configura mera recomposição patrimonial, não implicando acréscimo à entidade estrangeira.

A bem da verdade, os valores remetidos ao exterior a título de reembolso visam apenas a restituir à empresa centralizadora os valores que ela desembolsou em benefício do contribuinte.

Remuneração, por definição, implica acréscimo patrimonial, margem de lucro ou ganho. No rateio, a empresa reembolsada retorna ao ponto de equilíbrio financeiro (zero a zero), o que afasta a própria materialidade necessária para a incidência do IRRF, da Cide e do PIS/Cofins-Importação.

Na ausência de acréscimo de margem de lucro nas remessas ao exterior, não existe a figura da remuneração no contrato de rateio de despesas, havendo apenas uma repartição de despesas que foram incorridas pela entidade estrangeira em benefício de outras entidades do mesmo grupo econômico. Trata-se de mera recuperação de custos, que não pode ser confundida com o conceito de remuneração, que está invariavelmente atrelado ao auferimento de acréscimo/lucro.

A própria RFB, em Soluções de Consulta anteriores, já reconheceu que os valores recebidos por pessoa jurídica brasileira centralizadora de atividades compartilhadas como reembolso das demais entidades do grupo não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins – raciocínio que também deveria ser aplicado a remessas ao exterior a título de reembolso.

Em relação à segunda premissa adotada pela RFB na SC 39/2025, o cost sharing não se confunde com uma relação de prestação de serviços.

O contrato de prestação de serviços é regulado pelo Código Civil (artigos 593 a 609) e pressupõe onerosidade, sendo lastreado pela emissão de notas fiscais e podendo abranger tanto atividades-fim quanto atividades-meio. O contrato de rateio de despesas (cost sharing), por sua vez, é um contrato atípico, respaldado por notas de débito e sendo limitado a atividades-meio das entidades envolvidas.

Não há no contrato de rateio de despesas, portanto, uma relação bilateral de prestação de serviços com contraprestação onerosa. O que existe é um acordo entre empresas relacionadas para o compartilhamento proporcional de custos administrativos comuns, sem o pagamento de margem de lucro à entidade centralizadora desses custos, o que descaracteriza a ocorrência de uma prestação de serviço.

Assim, os valores pagos pelo contratante do serviço correspondem à remuneração auferida pelo prestador, ao passo que os valores remetidos ao exterior no âmbito de um contrato de rateio de despesas têm como única finalidade reembolsar a parte estrangeira pelas despesas e custos incorridos em benefício da entidade brasileira, e não a de remunerar ou conferir margem de lucro à parte estrangeira, não podendo ser equiparados à remuneração dessa entidade (como já reconhecido pelo Carf).

Nesse contexto, apesar de existirem decisões em ambos os sentidos, é importante ressaltar que o Carf já reconheceu que não há prestação de serviços ou pagamento de preço em um contrato de rateio de despesas.

A esse respeito, cabe mencionar o voto proferido pela conselheira Edeli Bessa Pereira no Acórdão 1402-003.864, de 16/4/2019, ocasião na qual restou estabelecido que:

– “No caso dos autos [contrato de cost sharing], inexiste conteúdo econômico, tendo em vista que o valor recebido é a título de ressarcimento de custo, proveniente essencialmente da atividade-meio. Inexiste a figura de preço”; e

– “Considerando as definições e as características técnicas do conceito de ‘receita’, não há como confundi-Ia com o conceito de ressarcimento de custos”.

Dessa maneira, o entendimento manifestado pela RFB na Solução de Consulta mais recente sobre o assunto pode ser questionado, principalmente, a partir da distinção entre remuneração e reembolso.

Quando não há margem de lucro, a operação não configura acréscimo patrimonial à empresa estrangeira, mas mera recomposição de valores. Logo, não haveria a ocorrência do fato gerador de tributos como o IRRF, a Cide, o PIS e a Cofins-Importação, que pressupõem uma remuneração.

Além disso, o contrato de cost sharing possui natureza distinta do contrato de prestação de serviços. Enquanto este último é regulado pelo Código Civil e está relacionado à contraprestação onerosa, o contrato de rateio de despesas é um contrato atípico, lastreado por notas de débito e restrito a atividades-meio do grupo, sem finalidade lucrativa.

Nesse cenário, apesar de recente, a SC Cosit 39/2025 reafirma uma postura que ignora a natureza jurídica específica dos contratos de rateio de despesas. A exigência de tributos sobre essas remessas, sem considerar a ausência de lucro e a finalidade do reembolso, coloca em risco a segurança jurídica de grupos econômicos multinacionais que adotam práticas legítimas de gestão compartilhada de custos.

É preciso diferenciar remuneração de reembolso e reconhecer a atipicidade e licitude do contrato de cost sharing. Em um contexto de globalização e racionalização empresarial, a simples centralização de despesas administrativas não deveria ser tratada como importação de serviços, sob pena de comprometer a competitividade e a previsibilidade tributária das empresas brasileiras inseridas em grupos internacionais.

Entre em contato conosco agora e saiba mais sobre como podemos ajudar no seu crescimento e sucesso empresarial!

Fonte: JOTA

Compartilhar

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp

Postagens relacionadas