Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo de tributos federais

A não incidência de tributos federais sobre crédito presumido de ICMS parece ser a nova tese do século. Os tribunais superiores e o Carf têm se posicionado de forma favorável aos contribuintes nas suas últimas decisões, mas o tema ainda permanece em aberto.

O cerne da controvérsia é o seguinte: quando um estado da federação concede um benefício ou incentivo fiscal de ICMS sob a forma de um crédito presumido, o contribuinte se vê dispensado de realizar um pagamento de tributo que, em outro contexto, seria devido.

Essa dispensa, consequentemente, gera um aumento no lucro da operação – o qual, por sua vez, é fato gerador de diferentes tributos federais, como o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou também as contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Para fundamentar a exigência desses tributos nestas hipóteses, a Receita Federal se vale da distinção entre a subvenção de custeio e a subvenção de investimento, considerando tributáveis as que se enquadram na primeira destas duas categorias.

Reinaldo Pizolio (Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Subvenções para Investimento. Artigo in Revista Dialética de Direito Tributário, v. 52. São Paulo: Dialética, 2002, p. 149.) define que a subvenção de custeio é mera concessão à pessoa jurídica para custeio da operação – aquela que possa fazer frente aos seus custos, por assim dizer, como necessidade de caixa e déficits operacionais.

Por outro lado, relata que as subvenções de investimento (objeto do artigo 30 da Lei 12.973/2014) se caracterizam pela destinação de recursos à empresa para que sejam aplicados em sua expansão, implementação de polo industrial ou, por exemplo, para desenvolvimento de novas atividades econômicas.

Embora este raciocínio possa ser considerado correto do ponto de vista técnico, porque adequadamente aplica os conceitos legais e doutrinários, sua aplicação, porém, não é suficiente para fundamentar a exigência destes tributos na prática.

Isso se justifica por dois fundamentos.

Primeiro, porque a Lei Complementar nº 160/2017, ao acrescentar os §4º e §5º ao artigo 30 da Lei 12.973/2014, consagrou a regra de que todos os benefícios fiscais concedidos pelos estados em relação ao ICMS seriam considerados subvenções de investimento – não submetidas à tributação.

Assim entendeu a Câmara Superior de Recursos do Carf, em 12 de novembro de 2021, no acórdão nº 9101-005.850.

Segundo, porque, em última instância, a incidência dos tributos federais sobre créditos de impostos estaduais pode ser considerada uma violação ao pacto federativo, uma vez que representa uma limitação à autonomia do Estado em incentivar setores estratégicos da economia.

Ao tributar as operações incentivadas, a União reduz o efeito destes benefícios, incrementando sua arrecadação às custas da vantagem concedida pelo Estado, reduzindo, na prática, seu impacto e seu efeito final.

Mais ainda, considerando-se que tais valores não são efetivamente um lucro obtido pelo particular por meio das suas atividades, mas sim uma receita pública renunciada em seu favor, seria possível considerar que a incidência de tributos neste caso representaria a tributação, de um ente federado, sobre o patrimônio de outro, ferindo a imunidade recíproca prevista no artigo 150, VI, “a” da Constituição Federal.

Este segundo argumento foi adotado pelo STJ no julgamento do EREsp. 1.517.492/PR, em novembro de 2017, cuja decisão foi reforçada no EREsp n. 1.443.771/RS, de abril de 2021.

Esta combinação de elementos é bastante forte e favorece o contribuinte contra a incidência tanto do IRPJ e da CSLL quanto das contribuições ao PIS e Cofins nas mais diferentes operações beneficiadas.

No entanto, como ainda existem soluções de consulta da Receita Federal que concluem pela incidência dos tributos, enquadrando no caso concreto certos créditos presumidos de ICMS como subvenção de custeio, o cenário atual é de insegurança jurídica nos contribuintes.

Talvez esse estado de coisas seja revertido a partir do momento em que o STF tome decisão a respeito – fato que pode ocorrer com o julgamento do RE n. 835.818/PR, o qual já possui maioria de votos a favor do contribuinte.

Até lá, porém, o uso da via judicial preventiva ainda é necessário como medida de mitigação de riscos diante de eventual pretensão de creditamento, protegendo contribuintes bem-intencionados de sofrerem sanções indevidas.

 

FERNANDA TORRES DE SOUZA – Advogada no escritório Diamantino Advogados Associados
GUILHERME SARAIVA GRAVA – Advogado no escritório Diamantino Advogados Associados

Fonte: Jota

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