Novo capítulo da Tese do Século que trata da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins: ações rescisórias ajuizadas pela União

Fazenda intensifica ajuizamento de rescisórias para questionar trânsitos em julgado que reconheceram créditos fora da modulação.

Ao julgar os embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional no Recurso Extraordinário 574.706 (Tema 69 da Repercussão Geral), o Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outras questões, decidiu pela modulação dos efeitos da decisão favorável aos contribuintes, de modo que produzisse efeitos a partir de 15 de março de 2017, data em que foi julgado o mérito do Tema 69, “ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até aquela data”. 

Com base em tal orientação, os contribuintes, que ajuizaram ações após a data definida como sendo o marco temporal para aplicação da modulação de efeitos da decisão do Tema 69, não poderiam recuperar indébitos de PIS/Cofins em razão do pagamento das contribuições com a inclusão do ICMS em suas bases de cálculo no período anterior ao fixado pelo STF (15 de março de 2017). 

Ocorre que, embora o julgamento do mérito do leading case tenha ocorrido em março de 2017, a deliberação pela modulação de efeitos daquele julgamento ocorreu apenas em 13 de maio de 2021. 

Com isso, muitas ações ajuizadas após 15 de março de 2017 transitaram em julgado de forma favorável aos contribuintes antes da definição pelo STF acerca da aplicação da modulação dos efeitos da decisão. E nessas ações, pelo fato de terem sido decididas antes da modulação de efeitos fixada pelo STF, foi autorizado aos contribuintes a recuperação dos valores de PIS/Cofins indevidamente recolhidos, inclusive quanto aos períodos anteriores a 15 de março de 2017. 

Nesse sentido, desde a conclusão do julgamento da Tese de Século, tem se observado movimento do fisco federal de questionar tais trânsitos em julgado, por meio do ajuizamento de ações rescisórias. Esse movimento tem se intensificado de forma relevante recentemente, o que se deve, em nossa visão, ao fato de que no mês de setembro de 2023 será completado dois anos do trânsito em julgado do Tema 69. 

Isso, porque, as ações rescisórias mais recentes ajuizadas pela Fazenda Nacional estão pautadas, principalmente, no artigo 535, §§5º e 8º do Código de Processo Civil (CPC).  

Esses são os dispositivos legais que estabelecem o cabimento de ação rescisória para desconstituição de “título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal”, sendo o prazo de dois anos para sua propositura “contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”. 

Nesse contexto, a Fazenda Nacional sustenta que os trânsitos em julgado que não observaram a modulação de efeitos estariam em descompasso com a orientação fixada pelo STF no Tema 69, dando margem à desconstituição da coisa julgada por meio de ação rescisória pautada nos mencionados dispositivos legais. 

Ao que se verifica, há diversas decisões dos Tribunais Regionais Federais acolhendo, ainda que em caráter provisório, a pretensão da Fazenda Nacional, pautadas no artigo 535, §§5º e 8º do CPC, por entenderem que tais coisas julgada destoariam da eficácia atribuída à decisão proferida no regime de repercussão geral (Tema 69). 

Entretanto, a questão demanda reflexão mais aprofundada, sendo questionável a possibilidade de aplicação do artigo 535, §§5º e 8º do CPC para fundamentar a desconstituição destes trânsitos em julgado. 

Essa conclusão decorre da análise detida da norma em questão, que revela que não seria qualquer coisa julgada que destoe do entendimento do STF que poderia ser rescindida com base nos mencionados dispositivos legais. 

Isso porque é possível que determinada coisa julgada, apesar de não seguir orientação fixada pelo STF, não esteja amparada em norma declarada inconstitucional e nem em interpretação de lei ou ato normativo tido pelo STF como incompatível com a Constituição, que são as específicas hipóteses que dão margem à aplicação do artigo 535, §§5º e 8º do CPC. 

Na jurisprudência dos tribunais superiores observa-se alguns exemplos dessa circunstância, em casos em que foi afastada a aplicação desta hipótese de rescisão de coisas julgadas. 

Há casos, por exemplo, em que se buscava a aplicação do artigo 535, §5º e 8º do CPC para rescindir decisões transitadas em julgado que não observaram entendimento do STF sobre índices de correção do FGTS, pela aplicação equivocada de critérios de direito intertemporal por parte da decisão transitada em julgado.  

A esse respeito, há decisão da Primeira Seção do STJ (REsp 1.189.618/PE) afastando a aplicação do artigo 741, parágrafo único, do CPC/73 (equivalente ao artigo 535, §5º, do CPC/15), por entender que as hipóteses trazidas nesse dispositivo devem ser interpretadas restritivamente.  

Em sentido semelhante decidiu o STF ao julgar casos que comportavam a mesma controvérsia (RE 611.503), asseverando não ser aplicável o dispositivo em hipótese em que, apesar de contrariar posicionamento do STF, a decisão transitada em julgado não se pauta em dispositivo declarado inconstitucional ou cuja interpretação tenha sido declarada como incompatível com a Constituição. 

Entendemos ser este o caso das decisões transitadas em julgado que não observaram a modulação de efeitos fixada no Tema 69. Embora estejam em descordo com a decisão do STF, a não observância da modulação não decorre da aplicação de inconstitucional ou cuja interpretação tenha sido declarada como incompatível com a Constituição, até porque a questão constitucional objeto daquele julgamento foi tão somente a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins. 

Nessa linha, não nos parece adequado considerar que a definição de marcos de modulação de efeitos diria respeito ao mérito constitucional analisado pelo STF. Se assim o fosse, consideraríamos equivocadamente que, ao definir marcos de modulação, a Suprema Corte estaria afirmando que determinada lei ou interpretação seria constitucional até determinado período e inconstitucional dali em diante. 

Por isso, ao nosso sentir, a modulação de efeitos das decisões do STF seria mera delimitação prática dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 

Logo, as coisas julgadas formadas em favor dos contribuintes, que autorizam a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, ainda que em desconformidade com os critérios de modulação de efeitos, não seriam contrárias à interpretação dada pelo STF ao mérito constitucional da controvérsia, razão pela qual não seria cabível a ação rescisória fundada no artigo 535, §§5º e 8º do CPC. 

Também acreditamos não incidir, nessa hipótese, o entendimento firmado pelo STF no Tema 881 da Repercussão Geral, que tratou sobre os “limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado”. 

Isso se dá por duas razões principais, naquele caso, o critério para a interrupção dos efeitos da coisa julgada foi o fato de a decisão individual veicular interpretação constitucional divergente daquela adotada pelo STF, o que, no presente caso, como visto acima, não ocorreu; e a Suprema Corte deixou claro que a “quebra” dos efeitos da coisa julgada projetaria apenas efeitos futuros, ao passo que, no caso das ações rescisórias aqui analisadas, os efeitos pretendidos pela União (aproveitamento de créditos anteriores a 15 de março de 2017) dizem respeito a período anterior aos julgamentos do STF (ocorrido em 13 de maio de 2021). 

Espera-se, portanto, que as decisões proferidas até o momento no âmbito de tais ações rescisórias possam ser reexaminadas pelos Tribunais Superiores sob a perspectiva dos precedentes acima citados, que bem analisaram excepcional hipótese de aplicação do artigo 535, §5º e 8º do CPC. 

Fonte: JOTA

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