Subvenções de ICMS e a destinação prevista na Lei 12.973/2014

Destinação da subvenção é imprescindível para a exclusão dos benefícios do ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL

No dia 26 de abril de 2023, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou os Recursos Representativos de Controvérsia (REsp), n. 1.945.110/RS e n. 1.987.158/SC, do Tema 1.182/STJ.

Ao final do julgamento, afastou-se por completo a possibilidade de aplicação do EREsp 1.517.492 aos demais benefícios de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). Por outro lado, tendo em vista a possibilidade de exclusão dos benefícios de ICMS prevista pela própria legislação tributária, os ministros da 1ª Seção do STJ determinaram que os autos deveriam retornar à origem para que, em conformidade com o deduzido na petição inicial e nos limites que a técnica processual do mandado de segurança permite, fosse verificado o atendimento das exigências legais para a dedutibilidade tributária.

Analisando-se o histórico da referida tese, é seguro concluir que se trata de uma tese de prateleira, de modo que não havia a intenção de cumprimento dos requisitos legais. O que pretendiam era justamente seu afastamento, nos termos do EREsp 1.517.492. Ao verem frustrada a pretensão nos tribunais de origem, passaram a criar uma narrativa alternativa, tentando fazer crer que a legislação permitiria a exclusão do valor equivalente aos benefícios sem qualquer contrapartida efetiva.

O que se pretende demonstrar com o presente artigo é que a decisão do tema 1.182, lida de forma harmônica e coerente, é clara no sentido de que devem ser observados todos os requisitos legais para que as subvenções de ICMS possam ser excluídas da tributação federal sobre o lucro.

Sabe-se que a Lei Complementar nº 160 de 2017 incluiu os parágrafos 4º e 5º ao art. 30 da Lei nº 12.973/2014, submetendo os benefícios fiscais de ICMS ao regime jurídico das subvenções para investimento.

De acordo com trecho do voto vogal do ministro Herman Benjamin, a norma do §4 teria equiparado à subvenção de custeio à de investimento, mantendo-se hígida a necessidade de atendimento da destinação prevista no caput do art.30 da Lei nº 12.973/2014, uma vez que não houve revogação do §2. Senão vejamos:

Dito de outro modo, não obstante eu concorde com a exegese segundo a  qual, na devolução dos autos ao tribunal de origem, não seja necessário averiguar, de antemão, a  existência de prova de que a  subvenção de investimento – na forma de isenção, redução da base de cálculo do ICMS ou outro benefício que diminua o valor da exação – tenha sido concedida como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, a  ulterior constatação, em eventual procedimento fiscalizatório, de que a  empresa desviou tais valores utilizando-os para finalidade de qualquer modo incompatível com a viabilidade do empreendimento econômico, ensejará o lançamento do IRPJ e  da CSSL, conforme previsto no art. 30, § 2º, da Lei 12.973/2014.

As teses 2 e 3 do tema repetitivo se complementam. Precisam ser interpretadas conjuntamente. Inclusive tal observação é consignada, no voto vogal do ministro Herman Benjamin, como forma de elucidar o julgado da 2ª Turma no REsp n. 1.968.755/PR, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, in verbis:

A conclusão acima tem por finalidade aperfeiçoar, segundo penso, a compreensão do que foi decidido, sem debate, em sessão virtual de julgamento de Embargos de Declaração, sobre a questão relacionada com os requisitos legais que precisam ser provados pela empresa, bem como justificar a necessidade de inclusão de novo tópico na tese repetitiva.

Fica evidenciado que o acórdão apenas afastou a necessidade de comprovação prévia de que a lei estadual foi editada como uma subvenção voltada para investimento. Por outro lado, foi mantida a necessidade de que o resultado advindo do benefício fiscal de ICMS garanta a viabilidade econômica dos empreendimentos realizados, seja na modalidade de implantação ou expansão.

Vejamos trecho do voto-vogal do ministro Francisco Falcão e da ministra Assusete Magalhães, respectivamente:

Entretanto, a equiparação conferida pelo §4º do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 dispensa o contribuinte apenas da comprovação de que o benefício fiscal de ICMS foi efetivamente concedido pelo Estado com a intenção de subvencionar investimento. Por outro lado, cabe ao contribuinte  tratar o benefício fiscal como  se  subvenção  de investimento fosse, mediante a observância dos requisitos constantes no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, dentre eles a destinação prevista no caput e no §2º. Ou seja, é mister o direcionamento  do  resultado  do  benefício  à  implantação  ou expansão de empreendimentos econômicos.

(…)

Entendo que a  compreensão firmada pelo STJ, nos EREsp 1.517.495/PR, dos quais ficou Relatora para acórdão a Ministra REGINA HELENA COSTA, relativamente aos créditos presumidos de ICMS, não se aplica aos demais benefícios fiscais do aludido imposto, conforme restou consolidado pela Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.968.755/PR, de relatoria do Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, que bem demonstrou o distinguish entre os temas debatidos, o que não impede, todavia, em relação aos outros benefícios fiscais, que sejam eles deduzidos da base de cálculo do IRPJ e  da CSLL, quando atenderem aos requisitos previstos no art. 30, caput,  e  §§ da Lei. 12.973/2014, com a redação dada pela Lei Complementar 160/2017.

Comungo, igualmente, com a proposta do Ministro HERMAN BENJAMIN, de acrescer um terceiro item às teses repetitivas ao final fixadas, ao que já manifestaram aderência os Ministros   FRANCISCO FALCÃO, HUMBERTO MARTINS e MAURO CAMPBELL MARQUES. Este acréscimo, a meu sentir se justifica em face do art. 30, § 2º, da Lei 12.973/2014, com a redação dada pela Lei Complementar 160/2017.

Neste sentido, importante destacar que sequer faz sentido a exigência de cumprimento dos requisitos meramente formais de forma isolada. Pergunta-se: por que seria constituída uma reserva senão para controlar o investimento ou expansão? Por que é exigido o aumento do capital social senão para que seja confirmada a conclusão do investimento ou expansão?

Pois bem. O benefício federal previsto na legislação tem por objetivo que a subvenção capitalize as empresas, com a realização de efetivos investimentos, gerando empregos e renda, a fim de se atender ao princípio da função social da empresa. Nesse sentido, o voto vogal do Ministro Mauro Campbell (fls. 2.443/2.444 e-STJ):

Decerto, muito embora não se possa exigir a  comprovação de que os incentivos o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, persiste a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes, consoante o disposto expressamente em lei (utilização conforme incisos I e II do art. 30, da Lei n. 12.973/2014). Essas limitações são importantes porque vedam a distribuição dos valores correspondentes aos sócios como lucros e dividendos, direcionando a desoneração fiscal para a  capitalização da empresa, proporcionando a geração de empregos e renda, tal é a sua função social.

(…)

Por tais motivos é  que adiro à terceira tese proposta pelo Min. Herman Benjamin no sentido de que as teses aqui veiculadas não obstam a  Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e  da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidades estranhas àquelas estabelecidas em lei, notadamente no art. 30, da Lei n. 12.973/2014.

Ora, os requisitos formais somente existem na legislação como forma de controlar a destinação dos valores obtidos pela empresa por meio da subvenção. E esta subvenção deve ser a responsável por gerar o incremento de receita apto a bancar o investimento ou expansão.

O próprio §2º do art. 30, mantido de forma expressa no julgamento, remete à destinação do caput. Ou seja, segue existindo a necessidade de que seja realizado investimento ou expansão.

Sabe-se que as benesses de natureza fiscal somente se justificam se gerarem um retorno para a coletividade. A concessão de benefícios fiscais para grandes empresas, sem a exigência de quaisquer contrapartidas efetivas, além de violar a literalidade da Lei nº 12.973/2014, aumentariam ainda mais a regressividade do sistema tributário.

O sentido da norma seria completamente desvirtuado. Ao invés de contribuir para a mitigação da pobreza e desigualdade, o esvaziamento das condicionantes de ordem material implicaria em um aumento da concentração de renda.

Tal fato, por óbvio, não passou despercebido dos julgadores da 1ª Seção do STJ, que, como visto, mantiveram a vigência da integralidade do caput do art. 30 da Lei Federal nº 12.973/2014.

Vê-se, portanto, que a destinação do resultado da subvenção é imprescindível para que haja a exclusão dos benefícios de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apuradas sob o lucro real. O item 3 da tese repetitiva autoriza a Receita Federal a fiscalizar e autuar os contribuintes caso constatado que o resultado gerado pela subvenção não seja destinado à expansão ou investimento.

 

Fonte: JOTA

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